Eleições Americanas: o processo eleitoral

Eleições americanas: o que realmente se passa

Se acha o sistema político americano uma grande complicação, você não é o único.

Com este artigo pretende-se explicar, passo a passo, como realmente as coisas se processam.

O Conde de Halifax, embaixador britânico nos Estados Unidos na década de 1940, tinha, tal como muitos de nós, um problema: não conseguia entender o sistema político americano. Sempre que havia uma eleição, era preciso explicar-lhe tudo de novo.
O desnorteamento de Halifax não surpreende nenhum estrangeiro. O processo eleitoral americano é extremamente longo e complexo, além de parecer estar sempre a sofrer modificações. Com frequência, também dá inesperados resultados. É bastante estranho, por exemplo, que Jimmy Carter possa ter sido de repente eleito presidente, em 1976.
A fórmula para se entenderem as eleições americanas é observar como todo esse país, do tamanho de um continente, com mais de 230 milhões de habitantes, contribui para o processo eleitoral. E Pluribus Unum («De muitos, sairá um») é o lema dos Estados Unidos da América. As primárias, reuniões de líderes políticos (caucus, em inglês), convenções e eleições regem-se por esse princípio.
Dois partidos:
É demasiadamente fácil esquecer como a América é grande; pensamos nela à escala europeia. Após uma eleição americana, por exemplo, um comentarista político não pode escrever: «A afluência às urnas foi fraca porque no dia das eleições estava chovendo muito.» O país é tão grande que bem podia estar chovendo na China ou nevando na Rússia.
Nos Estados Unidos da América existem dois partidos principais, o Republicano e o Democrata, cujos símbolos são, respectivamente, um elefante e um burro.
Para uma pessoa que viva num país de regime parlamentarista, os partidos americanos podem parecer estranhos.
No regime parlamentarista, os partidos políticos tendem a ser altamente centralizados e disciplinados. Mas os partidos americanos têm uma organização tão aberta que, se alguém quiser procurá-los, terá dificuldade em encontrá-los. Ainda assim, virtualmente ninguém pode se eleger presidente ou exercer influência política por muito tempo, a não ser através deles. Portanto, quando alguém decide que quer ser presidente, tem primeiro de conquistar o apoio de um dos partidos. Em alguns casos, nem importa qual seja o partido, já que, ao contrário de alguns países onde se identificam os partidos" pela ideologia, da extrema esquerda à extrema direita, em grande medida os dois partidos americanos diferenciam-se apenas através do grau de liberalismo ou conservadorismo.
Em 1948, por exemplo, os membros da organização Americanos por Uma Acção Democrática, órgão muitas vezes aliado ao Partido Democrata, estavam tão descontentes com o presidente Harry Truman que queriam o general Dwight Eisenhower como candidato à presidência pelo partido. Entretanto, quatros anos mais tarde, Eisenhower preferiu o Partido Republicano. Poderia muito bem ter-se candidatado pelos democratas se não tivesse sentido que os eleitores queriam alijar estes do poder.
Como é que um candidato conquista o apoio de um partido, e como é que cada partido escolhe o seu candidato?

Sem ligarem importância para o facto de que os partidos parecem falhar em questões de coerência, entre as eleições, e também para o facto de que a existência dos partidos nem sequer seja mencionada na Constituição, os cidadãos americanos conceberam um estranho processo: são os caucus e as primárias. Implicam meses e meses a fio de manobras políticas, a fim de que, nas convenções nacionais, todos os representantes partidários aclamem unanimemente um só candidato.

Tudo era mais simples quando apenas um punhado de poderosos chefes se reunia numa sala fechada, onde a fumaça dos charutos enchia o ar, e escolhia o candidato que, segundo eles, serviria melhor os interesses partidários, e os seus próprios. De modo geral, os chefes e as máquinas políticas dominaram a cena até o princípio do século XX. Foi então que americanos de vários estados do país começaram a achar que deveriam não apenas eleger os seus presidentes, mas também intervir no processo decisório sobre quem deveria ser o candidato.

Instituiu-se então o sistema de eleições primárias, que se espalhou a tal ponto que, actualmente vários estados e distritos promovem as suas próprias primárias. Em alguns casos, os resultados destas eleições valem, noutros servem apenas como dados informativos.

Já está começando a parecer meio complicado? Pois espere só! Há diversos tipos de primárias. Uma primária fechada, por exemplo, restringe-se aos membros devidamente inscritos do partido em questão. Numa primária aberta, os eleitores, sem restrições de filiação partidária, podem até votar nos candidatos do outro partido! Em certas primárias, os eleitores escolhem os delegados - comprometidos ou não com determinado candidato - que irão representá-los na convenção nacional de seu partido.

Mas, em alguns estados, ao invés de primárias realizam-se caucus. Em determinados anos existem mais de 20 caucus democratas, nos diferentes estados e territórios americanos. Trata-se de reuniões nas quais os militantes inscritos, ou mesmo os simples simpatizantes do partido, escolhem seus delegados à convenção nacional. Em alguns casos, essas reuniões representam a vontade popular, embora em outros estejam mais claramente abertas à manipulação pelos líderes partidários.

Todo este processo começa nove meses antes da eleição final, com os caucus de Iowa (um estado que tem uma população de três milhões de habitantes) e as primárias de New Hampshire (população: menos de um milhão). Os resultados das urnas, nesses dois estados, que têm apenas cerca de 2 % da população do país, influenciam decisivamente a escolha dos candidatos.

Em 1984, o favorito do Partido Democrata, Walter Mondale, foi surpreendido pela vitória de Gary Hart em New Hampshire. Em 1980, Ronald Reagan tomou a dianteira entre os favoritos ao vencer a primária desse estado, após ter sido derrotado no Iowa por George Bush. Jimmy Carter saiu da obscuridade em 1976 ao vencer ambas as primárias de Iowa e New Hampshire.

O que é genial neste sistema é que ele dá aos estados pequenos, logo no início do processo eleitoral, uma importância enorme, o que obriga os políticos a prestarem-lhes atenção. Se assim não fosse, o alto índice populacional de algumas grandes cidades esmagaria o resto da população americana.

O sistema permite que cada região dê um contributo importante. Do Iowa, no Centro-Oeste, a New Hampshire, no Nordeste, a campanha das primárias e caucus passa então para o Oeste, o Sul e o Sudoeste do país. Os estados maiores e mais industrializados, como o Michigan, NewYork, Pensilvânia, Illinois, Texas e Califórnia, só entram na dança mais tarde.
Mas as subtilezas não param aí; os estados menores e as regiões menos populosas, que votam mais cedo, podem fazer surgir candidatos inesperados. É claro que mais tarde, os grandes estados, que têm maioria de votos nas convenções nacionais, podem arrasar com as possibilidades de alguém que tenha saído na frente, se acharem que esse alguém não serve.
Num país tão grande e tão diversificado como os Estados Unidos, este processo é o ideal. Se reflectirmos naquilo que se acabou de se explicar, veremos que faz sentido, mesmo durando vários meses.
Ultimamente, as primárias e caucus tornaram-se tão importantes que em ambas as convenções um candidato geralmente chega com o número suficiente de delegados comprometidos a votar nele, de forma a ter a indicação para candidato à presidência garantida logo à primeira votação. Hoje em dia é quase impensável que qualquer um dos dois partidos permita que a sua convenção se prolongue por 15 dias e 103 votações, como aconteceu com os democratas em 1924.
Uma das principais influências no processo eleitoral contemporâneo americano vem sendo exercida pela televisão. Ela decide a importância das primárias e caucus, auxiliando também a determinar como os candidatos farão suas campanhas. Mesmo assim, todos os que vão às convenções sabem que são os partidos - e não a televisão - as forças subjacentes do processo político.
Nas convenções, os delegados do Partido Republicano tendem a apelar mais para os valores tradicionais; os do Partido Democrata, à defesa dos direitos das minorias e das classes mais desfavorecidas.
Em fins de Setembro, após as convenções, os dois partidos já têm seus candidatos à presidência. Às vezes surgem candidatos ditos independentes, mas estes geralmente não são pessoas com hipóteses de ganhar: eles querem apenas atrapalhar a vida dos outros candidatos. Em 1980, por exemplo, John Anderson tirou votos a Jimmy Carter.
Mas, na verdade, a única competição real é entre os candidatos dos dois grandes partidos. Já que a campanha eleitoral para a eleição final só dura cerca de nove semanas ( do princípio de Setembro até a primeira semana de Novembro), essa campanha pouco difere das eleições nos outros países. Trabalhando com seus partidos, os candidatos têm de se tornar conhecidos; têm de dar uma ideia clara do rumo que pretendem dar à nação; e têm de demonstrar que possuem estatura presidencial.
Mas há um último detalhe: o povo não vota directamente para o presidente. Vota, sim, em representantes para o Colégio Eleitoral. Esse órgão reúne-se várias semanas após as eleições para dar seu voto, mas como todos esses Eleitores já se comprometeram publicamente a votar em determinado candidato, pode-se dizer que é o povo quem elege o presidente.
Mas até nesse aspecto o sistema é genial: cada estado tem direito a um número de Eleitores equivalente ao de senadores (dois por cada estado) e de deputados (proporcional à população). Assim, o Colégio Eleitoral garante que os estados menores tenham voz. Os votos dos estados menos populosos do Oeste, por exemplo, formaram a base republicana da vitória de Reagan.
Em resumo: o processo eleitoral reflecte a estrutura federativa da nação. O filósofo político David Hume uma vez disse que um país tão vasto, e com tantos habitantes, só poderia ser governado por instituições livres se se combinassem os dois princípios de representatividade e federalismo. É exactamente isso que o processo eleitoral garante nos Estados Unidos da América. Poucos países de tão vastas dimensões podem orgulhar-se de conseguir tal coisa.

3 comentários:

  1. Muito bem elaborado o seu texto sobre o sistema utilizado pelos americanos para eleger o seu presidente.
    Aqui no Brasil estamos acompanhando atentamente essas eleições, e a saída do "Deus da Guerra", sr. Bush, trará alegria ao coração de todos os povos do mundo!

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  2. Belo post! Muito ompleto.
    O sistema americano é complicado e muitas vezes injusto. Que o diga Al Gore, que mesmo tendo obtido mais fotos populares, perdeu a eleição para o queridíssimo Bush...

    Abraços

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  3. .....expressivamente interessante como um povo civilizado dar exemplos de democracia....tudo dentro da liberdade,da ordem e na condicao de exemplos culturais,,parabens cidadoes norte americanos nao e atoa que muita gente quer estar no vosso meio,e tomar posse dos direitos que voces lutaram pra ter.Infelizmente aqui se copia e nada se cria, e o pior se fala mal dos que lutam e que lutaram por ser grandes.Parabens e boa sorte Estados Unidos da America.Se grande e poderoso incomoda muitos.Mas Deus e maior..e e essa linda frase que resume tudo. In God We Trust.!

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