Peter Beard - o retratista de África

Peter Beard: metade Tarzan - metade Byron
África é um continente de paixões que não deixa ninguém indiferente. Mas nem todos o vêem da mesma maneira. Há os que não acreditam no futuro deste antigo "império" europeu e justificam a descrença com a corrupção, a falta de progresso, a modernização e a desorganização do "continente assombrado". Depois, há os que gostam de visitar as praias africanas e de fazer "safaris" no Quénia e na Tanzânia, mas sentem pouca (ou nenhuma) empatia para com o continente; por fim, existem os apaixonados. Os aventureiros, os destemidos, os seduzidos pela aura de mistério que emana do continente dito "assombrado" e por todas as formas de vida selvagem que nele habitam.
É precisamente neste último contexto que se encaixa Peter Beard, o diarista-fotógrafo americano que, na década de 60, liderou o desenvolvimento de uma nova e estranha forma de arte, uma arte que tinha como objectivo final ser "inconformista" e política. Política? Sim: é que o homem "metade Tarzan, metade Byron", como o jornalista Bob Colacello o descreveu há cerca de 30 anos, dedicou a sua vida à luta pela preservação da natureza africana. Nos diários, Beard registou as suas experiências através de fotografias, colagens, desenhos, escrita e todo o tipo de adereços relacionados com a causa africana. Alguns são verdadeiras obras de arte. Outros primam pela ironia. Outros reflectem estados de alma. Os diários de Peter Beard são uma reacção pacífica à destruição causada pelo homem em nome do progresso e expõem uma visão apocalíptica quanto ao destino do nosso meio ambiente e de toda a vida selvagem que nele habita.
QUEM É PETER BEARD?
Conhecido, sobretudo, como um fotógrafo de vida selvagem que estabeleceu a sua reputação há mais de 30 anos com as crónicas "The End of the Game" (sobre a chacina de centenas de elefantes no Parque Nacional de Tsavo, no Quénia), Beard foi também um aventureiro destemido e um galã de alta sociedade. "O homem e os seus hábitos têm destruído África. Ela tem sido conquistada e explorada de todas as formas”, afirmou Beard. No seu livro ele tenta contar um pouco desta história, pois lidou com a essência da vida africana: o animal. Ele procura desacreditar a noção de que os humanos têm uma licença para conquistar e matar, e tenta pôr-nos, a todos, a reflectir um pouco sobre o que andamos a fazer com o nosso mundo.
Beard visitou África pela primeira vez em 1955. Segundo ele, África era algo de totalmente real e autêntico e nunca tinha visto nada assim em toda a sua vida. Para ele, naquela época, o Quénia era o paraíso, uma das áreas mais ricas em vida selvagem no Planeta. No mesmo ano, voltou para os Estados Unidos para terminar o curso de Letras na faculdade de Yale, mas, menos de um ano volvido, regressou a África e inaugurou a sua relação afectiva com o continente "negro" com as crónicas em defesa dos elefantes.
O elefante é, sem dúvida, uma parte fundamental da fotografia e de todo o trabalho de Beard. O seu trabalho pode até ser visto como um estudo à gradual destruição e extinção do elefante. Beard procurou sempre dar continuidade à história do elefante selvagem e, esse facto, está sempre presente em todas as fases do seu trabalho. O elefante é um dos animais que traz maior fonte de rendimento em África. Beard sempre foi contra isso e sempre lutou para que essa prática não se tornasse uma normalidade.
Defensor dos elefantes e da fauna africana, Beard foi também um galã de alta sociedade. Amigo chegado de mitos (já falecidos) como Andy Warhol, Jacqueline Kennedy e Francis Bacon, ficou conhecido igualmente como o homem que está tanto à vontade na savana africana como no mais chique jantar em Manhattan. Beard é tudo isto e ... muito mais.
Nascido em Nova Iorque, em Janeiro de 1938, num meio privilegiado, Peter Beard frequentou as melhores escolas do país, seguindo a mesma educação do pai. Porém, as memórias de Beard no que diz respeito à sua infância são, sem dúvida, azedas. Segundo ele, em criança era um 'robot', uma criança mimada, sem escolha, a quem tudo era dado de bandeja. Beard demonstra assim, algum desprezo pela família quando lembra que o pai "fazia muito pouco: "Investia algum dinheiro aqui e ali e a minha mãe, coitada, sofria daquela doença chamada ignorância e conformismo. O dia dela estava estragado se eu não estivesse bem vestido, com um fato impecável".
Dado que Beard é o tipo de homem despreocupado que usa as mesmas roupas dias seguidos, ou que anda de sandálias e panos africanos no Inverno de Manhattan, os conflitos com a família foram inúmeros: "Desde miúdo sempre fui a 'ovelha negra' da família". A tal "cor de pêlo" não deixa de estar associada à experiência do artista no mundo das substâncias alucinogénicas. Peter era frequentador assíduo da famosa discoteca nova-iorquina Studio 54, onde se encontrava com os seus célebres amigos, e guarda memórias saudosas de noites inesquecíveis com todo o tipo de gente e substâncias estimulantes.
Jackie Kennedy ofereceu a Peter o primeiro diário, onde o fotógrafo registou a sua vivência africana em imagens, textos, colagens de materiais diversos e desenhos Mas o isolamento relativamente ao ambiente familiar castrador acabou por funcionar como motivação. "A motivação é uma coisa muito valiosa, qualquer que seja a forma como a recebemos, quer através do isolamento ou, até, de uma chapada na cara".
Em 1961, depois de ter terminado o curso, Beard mudou-se para o Hog Ranch, perto de Nairobi. O seu terreno era paredes-meias com as terras que uma vez pertenceram à sua grande amiga Isaak Denisen (mais conhecida como Karen Blixen), a autora do célebre romance "África Minha".
COMO TUDO COMEÇOU ...
O primeiro diário foi-lhe dado por Jacqueline Kennedy em 1960, um caderno de couro onde Beard começou a registar as suas experiências diárias através de fotografias, colagens, desenhos, escrita e todo o tipo de adereços relacionados com viagens. Os diários ganharam corpo com o passar dos anos. Cada página era preenchida com fotografias e uma enorme variedade de objectos - como ossos de animais, embalagens de chocolates, chaves, botões, penas, cascas de amendoim, folhas secas, recortes de jornais, pedras, sangue e esqueletos de peixe. Os diários também estão repletos de desenhos e de fotografias dos seus amigos ricos e famosos, como os Kennedy, Isaak Denisen, Francis Bacon e Candice Bergen. Fragmentos de todas estas experiências sobressaem nos trabalhos de Beard.
Beard não vê os seus diários como arte mas como um "modus operandi" alternativo, uma forma de arte que evita a arte. "Sempre fugi de todo o tipo de responsabilidades”. Tudo o que fez na sua vida foi por puro egoísmo e puro prazer. No que diz respeito ao seu trabalho, afirma que “no dia que deixar de gostar daquilo que faço, deixo de o fazer." A fotografia é um componente fundamental deste trabalho. A denúncia da destruição do continente africano é o tema central de todos os esforços de Beard.
Enquanto os amigos, as namoradas, as modas e os objectos versados nos diferentes diários variam regularmente, há elementos omnipresentes: as fotografias do rinoceronte, da zebra, do crocodilo e, acima de tudo, do elefante, são o fio de ligação entre todos os seus escritos. "As pessoas acham que me queixo de mais, mas a velocidade com que destruímos a Natureza é avassaladora, e o pior é que nos adaptamos com incrível facilidade aos estragos que causamos. A metáfora óbvia no meu trabalho é o elefante", refere o diarista.
Dizem que qualquer conversa que se começa com Beard se transforma num debate sobre as destruições feitas pelo homem ao meio ambiente. Para ele estamos todos metidos numa grande alhada. Tanto com os seus amigos de alta sociedade como nos lugares mais remotos da selva africana, Beard sempre emitiu previsões apocalípticas quanto ao destino do nosso Planeta. Esta é a visão que Beard tem projectada em todo o seu trabalho, de uma forma muito excêntrica que transcende todos os géneros vistos até então, reflectindo, assim, a imaginação bizarra deste artista.
Peter Beard é de facto um ser fascinante. A sua paixão por África tem vindo a esmorecer com o passar dos anos. Beard afirma que ''não posso voltar ao Quénia, tenho várias pessoas que não gostam de mim por lá. A África está toda virada do avesso, a corrupção e violência estão a acabar com aquele continente a pouco e pouco. Ando na rua e sou seguido ou então ando com medo. Não gosto de ter medo, e o problema actual é a falta de autenticidade. Autenticidade é o que falta neste mundo." Beard trabalhou num filme com a National Geographic sobre peças arqueológicas dos Masai, tendo publicado um livro sobre o assunto juntamente com o arqueólogo Gillies Tude, embora esta obra tenha sido tudo menos um êxito ... O círculo académico não se convence da autenticidade destas peças e, como tal, Beard e Turle estiveram em litígio tanto com os governos queniano e americano. Devido a estes problemas legais e a outros factores pessoais, o artista passou a centrar-se cada vez mais em Nova Iorque. Em 1996, Beard foi violentamente atacado por um elefante. Fracturou o pélvis em três zonas e foi submetido a pelo menos três cirurgias, mas, mesmo às portas da morte, o humor deste aventureiro não se desvaneceu: "O incidente foi a melhor e a pior coisa que já me aconteceu. E o ataque do elefante foi uma espécie de vingança por tudo o que o homem tem feito." Desde então, Beard passou a trabalhar mais em casa do que na selva e, em 1999, mudou-se oficialmente para Nova Iorque, local onde se mantém uma exposição permanente de todos os seus trabalhos.
Os anos passaram, as mulheres foram e vieram e Beard continuou a ser aquilo que sempre foi: um fotógrafo reconhecido, que desprezou o negócio da fotografia, um diarista, cujo trabalho influenciou de forma evidente vários artistas conceituados, e um "playboy".

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