Broadway - um mundo de sonhos

A magia da Broadway
Quando se visita Nova Iorque pela primeira vez, torna-se imprescindível visitar a Broadway, o símbolo mundialmente famoso da magia do teatro. Antes dos espectáculos começarem, acendem-se milhões de lâmpadas que transformam a noite em dia; nessa hora, a Broadway torna-se verdadeiramente um local encantado.
Em plena Manhattan, nesse bairro dos teatros e cinemas encontram-se mais de 30 casas de espectáculos, localizadas a Leste e Oeste da longa avenida em diagonal chamada Broadway, entre as ruas 41 e 53. Um passeio por essas ruas equivale a percorrer a história do teatro. Por exemplo, no Nederlander, na rua 41, outrora chamado National, Orson Welles, então com 22 anos, encenou em 1937 a sua controversa produção do Julius César, na qual os soldados de César envergavam uniformes fascistas.
Grande parte da mística da Broadway deriva da lendária rua 42, exaltada no musical de 1980, do mesmo nome. Essa comédia musical, de ritmo contagiante, apresentava a Broadway como o objectivo máximo daqueles que aspiravam tornarem-se estrelas do palco. Praticamente todos os anos, jovens desconhecidos tornam-se famosos. Há mais de meio século, um jovem cantor magrinho fez sua grande estreia cantando no show de Benny Goodman, no agora desaparecido Paramount Theater, na rua 43. O seu nome, evidentemente, era Frank Sinatra.
E a corista de The Pajama Game, de 1954, que era suplente de Carol Haney, a protagonista número dois? Carol adoeceu, a corista entrou em cena e dançou e cantou maravilhosamente bem. Ela chamava-se Shirley MacLaine; havia um produtor cinematográfico assistindo ao espectáculo, e foi assim que ela se tornou uma grande estrela do palco e da tela.
A Times Square nasceu em 1904, quando o New York Times edificou o prédio e mudou o nome da praça, que dantes se chamava Long Acre Square; é ali que a Broadway bifurca com a Sétima Avenida. Para Oeste, ficava naquele tempo a chamada «Cozinha do Inferno» (Hell's Kitchen), desordeiro bairro operário frequentemente retratado nos melodramas de Jimmy Cagney. A um quarteirão para Leste, ficava a linha férrea elevada da Sexta Avenida. Passado pouco tempo, na Times Square e nas ruas vizinhas foram construídos novos e elegantes teatros, com os elaborados letreiros de néon que deram à Broadway o cognome duradouro de «Grande Caminho Branco» (The Great White Way).
Em 1908, Florenz Ziegfeld, produtor das famosas Ziegfeld Follies, colocou o maior painel luminoso jamais visto até então (com 24 m de comprimento e 14 m de altura) na fachada do seu New York Theater. Continha 2.973 m2 de vidro, pesava oito toneladas e levou 18 km de fio eléctrico. Em torno das suas letras gigantescas, um desenho em ziguezague de raios faiscantes parecia explodir, num irromper de chamas que lambiam o título da peça, Miss Innocence, e o nome da estrela, Anna Held, famosa por banhar-se em leite como a lendária Cleópatra.
Se a Times Square é o coração da Broadway, então uma estátua de George M. Cohan na sua extremidade norte simboliza o seu pulsar. Este extraordinário empresário, compositor, director, cantor e bailarino morreu em 1942, mas continua presente; é conhecido no mundo inteiro através de um filme de Hollywood, Yankee Doodle Dandy, e de um musical da Broadway, George M.! Os que nunca conheceram o verdadeiro George M. Cohan viram Jimmy Cagney, Joel Grey ou Mickey Rooney no papel dele.
A rua 44 é uma das ruas da Broadway preferidas por muitos turistas, onde têm lugar as lendárias festas de estreia no Sardi's, «a renomada sala de jantar das artes do teatro». Há seis teatros na rua 44, incluindo o Helen Hayes, uma sala internacional, o Majestic, cenário de 42nd Street, o Broadhurst, onde a comédia de Neil Simon, Broadway Bound, muito naturalmente conquistou a Broadway. E há o Shubert, onde A Chorus Line, uma exaltação aos musicais da Broadway, esgotou lotações durante vários anos.
A maravilhosa continuidade do teatro mundial está ilustrada na rua 45. Aqui fica o Booth Theater, assim baptizado em honra ao grande actor do século XIX, Edwin Booth, cujo Hamlet esteve em cena durante 100 representações consecutivas. John Barrymore estreou no Hamlet em 1922, mas já falava em abandonar o papel após umas 60 actuações. Uma delegação de personagens do teatro pressionou-o para desistir ao fim da 90.a actuação, pois ninguém devia bater o recorde de Booth. «Cavalheiros», replicou Barrymore. «Parem de viver no passado. Representarei o Hamlet exactamente 101 vezes.» E assim fez.
No Imperial, Drood, a versão musical do romance que Charles Dickens deixou inacabado ao morrer, mostrava uma abordagem inglesa de music-hall ao enredo gótico do romance, rematada por um número irresistível: a cena era interrompida em plena actuação para assinalar o ponto em que ficou o romance de Dickens. Os actores dirigiam-se então ao público, solicitando uma votação para determinar quem era o assassino e, consequentemente, qual seria o fim. «A atmosfera do teatro», disse o Times, «fica tão divertida como se se tratasse de uma audiência composta exclusivamente por ginasiais.»
Uma marca de qualidade da Broadway são os bons elencos. Em 1986, Arsenic and Old Lace, uma comédia acerca de duas velhinhas que serviam vinho envenenado aos seus hóspedes, esteve em cena no Teatro da rua 46, com Jean Stapleton, a Edith Bunker da televisão. Quando estreou, em 1941, o papel do sobrinho louco e homicida das velhas foi desempenhado por Boris Karloff, o monstruoso Frankenstein do famoso filme de 1931. Isso deu a Karloff, 10 anos mais tarde, uma deixa imortal: «Matei-o porque ele disse que eu era parecido com Boris Karloff.»
O Biltmore, o Atkinson, o Edison, o Barrymore e o Palace estão na rua 47. Para aqui têm vindo grandes peças de todo o mundo. Da França, Red Claves, de Jean-Paul Sartre, pro­tagonizada por Charles Boyer, veio para o Mansfield, cujo nome foi substituído em 1960 em homenagem ao crítico de teatro do New York Times, Brooks Atkinson. No Edison estiveram duas peças do dramaturgo sul-africano Athol Fugard, Sizwe Banzi is Dead e The Island.
O Barrymore deve o seu nome a Ethel, que com os seus irmãos Lionel e John formou um formidável trio de actores. Isso porque os irmãos Shubert prometeram a Ethel dar o seu nome a um teatro, se ela assinasse um contrato com eles. Ela assim fez, e eles cumpriram o prometido; Ethel inaugurou o teatro a 20 de Dezembro de 1928, com The Kingdom of God. O recorde do teatro, porém, foi detido de 1947 a 1979 pela peça de Tennessee Williams, A Streetcar Named Desire (Um Bonde Chamado Desejo), que estreou a três de Dezembro de 1947, com Jessica Tandy, Kim Hunter, Karl Malden e Marlon Brando, que tinha na época apenas 23 anos, num inesquecível desempenho como Stanley Kowalski. (Em 1979, este recorde foi finalmente batido pelas 872 representações de I Love My Wife.)
Há 55 anos, o Palace arriscou em Judy Garland, que estava com 29 anos e tinha sido despedida pela MGM, pois as suas depressões nervosas haviam atrasado demasiados filmes. Judy tentara suicidar-se, e os seus amigos não estavam seguros de que ela tivesse suficiente autoconfiança para voltar ao palco. Mas o Palace passou a ter lotações esgotadas em todas as sessões; os fãs de Judy estavam decididos a encorajá-la, com vibrantes aplausos.
O último dia de Judy Garland no Palace, 24 de Novembro de 1951, foi um momento alto na história da Broadway. Judy terminou o espectáculo cantando A Couple of Swells, de Irving Berlin, vestida de mendiga, exactamente como cantara com Fred Astaire no filme Easter Parade. Chamada a bisar, sentou-se simplesmente na beira do palco e cantou Over the Rainbow. Houve momentos em que chorou, e momentos em que foi o público quem se emocionou até às lágrimas. Foi três vezes chamada ao palco pelos aplausos, mas mesmo assim a plateia não se ia embora. Judy estava manifestamente exausta, de modo que alguém gritou: «Agora somos nós que vamos cantar para Judy!» Com a orquestra tocando Auld Lang Syne, os espectadores começaram a cantar, com a voz de ouro do grande tenor lírico Lauritz Melchior soando acima das outras todas. Numa sala apinhada, 1.686 pessoas, incluindo muitas que adoravam Judy Garland desde os tempos em que ela era a Dorothy do filme O Feiticeiro de Oz, aplaudiam e soluçavam abertamente.
No Teatro Cort, na rua 48, a peça »O Diário de Anne Frank», em 1957, transportava-nos instantaneamente àquele sótão em Amesterdão, onde uma adolescente de 12 anos e a sua família se escondiam dos nazistas. Nessa história verídica, os nazistas conseguem descobri-los, é claro, e levam Anne, cujo papel era desempenhado por Susan Strasberg, para um campo de concentração, onde ela morre. Quem não se lembra de Joseph Schildkraut no papel do pai de Anne, lendo a sua derradeira anotação no diário: «Apesar de tudo, continuo acreditando que as pessoas no fundo são boas.», mas «Ela me deixa envergonhado.» O rio Mississippi foi evocado no palco do Teatro Eugene O'Neill, na rua 49, em Big River, peça baseada no Huckleberry Finn, de Mark Twain. Show Boat, o melhor musical sobre o rio Mississippi, estreou em 1927, mas foi constantemente levado novamente à cena inúmeras vezes. Basta dizer «He just keeps rollin' a!ong» e o mundo inteiro saberá que se está falando de «Ol'Man Riven».
No inverno de 1986-1987, a peça de Bernard Shaw, You Never Can Tell esteve em cena no Circle In The Square, na rua 50. A presença de Shaw na Broadway data de Arms and the Man, de 1894. Em 1957, My Pair Lady, adaptado do Pigmaleão, de Shaw, no Mark Hellinger Theater, na rua 51, foi outra peça que esteve em cena e que fez igualmente grande sucesso. Quando se visita pela primeira vez Nova Iorque, deve-se visitar obrigatoriamente o American National Theater and Academy (ANTA), na rua 52. Neste local emblemático, passaram peças como: Our Town, com Henry Fonda no papel de director de cena, e Harvey, com James Stewart como Elwood P. Dowd e Helen Hayes como Veta Louise Simmons.
Também no teatro da Broadway na esquina da rua 53, a peça Les Miserables, versão musical do romance clássico francês de Victor Hugo, que fora o sucesso londrino de 1986, ao estrear nos Estados Unidos da América em Março de 1987, primou por um sucesso extremo. As suas vendas adiantadas de entradas, que totalizaram uma soma de 11 milhões de dólares, registaram o maior recorde de todos os tempos da Broadway. Todas as noites, multidões de espectadores reuniam-se sob a bandeira tricolor francesa, gigantesca e esfarrapada, suspensa na entrada do teatro, e entravam na fila para ver as barricadas de rua e os esgotos de Paris, evocados num palco da Broadway. Também no começo da década de 1980, estava em cena aqui, a peça Evita, com Patty LuPone cantando, noite após noite, Don't cry for me, Argentina ...
Mas para visitar aquele que é, por muitos, considerado como a quintessência dos teatros da Broadway, dever-se-á visitar o Winter Garden, no nº 1634 da Broadway. Al Jolson inaugurou-o a 20 de Março de 1911. Nesse palco, abriu ele inúmeras vezes os braços, com as mãos calçadas de imaculadas luvas brancas, e gritou a frase histórica: «Pessoal! Vocês ainda não ouviram nada!»
Na década de 1980, o Winter Garden tornou-se palco de um belíssimo musical britânico da autoria de Andrew Lloyd Webber, extraído de Old Possum's Book of Practical Cats, de T. S. Eliot. O musical chama-se Cats, e a Broadway chorava, bem como os diversos locais do mundo por onde esta peça tem passado, quando a gatinha maltratada, chamada Grizabella, pára diante do holofote e principia a sua canção. Com Cats, chega ao fim este breve artigo dedicado às cerca de três dezenas de salas de espectáculos numa dúzia de ruas, que no seu conjunto se chamam Broadway. É aqui o mundo dos sonhos!

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