Lazslo de Almasy: o paciente inglês

Um dos últimos exploradores românticos
"Amo o deserto. Amo a infinita extensão, o vento, os picos escarpados, as cadeias de dunas como rígidas ondas do mar. E amo a vida simples e rude de um acampamento primitivo no frio gélido, a luz das estrelas na noite e as calorosas tempestades de areia. "
Lazlo de Almasy in “O Sahara desconhecido”
Na aldeia de San Girolamo, num mosteiro italiano, o paciente inglês (o actor Ralph Fiennes), envolto no seu sudário de recordações, clama por Hana (a actriz Juliette Binoche), a enfermeira que vela por ele e que lhe lê: "Lê-me livros, senão morro." A jovem mulher não resiste ao pedido. Ela está apaixonada por este morto-vivo, salvo de um avião em chamas, pelos beduínos do deserto do Sahara.
Amnésico desde o acidente, apenas a voz de Hana apazigua a dor das queimaduras que tomaram o seu corpo numa cinza triste. Testemunha pudica de um passado despojado de identidade, um livro, "Histórias de Heródoto" e toda a memória do paciente, o conde Laszlo de Almasy, explorador do deserto, do infinito, aquele que procurou Zerzura, "a cidade branca como a pomba" ... No livro, o paciente guardou todas as recordações, o perfume de Katharine Clifton (a actriz Kristin Scott Thomas), a esposa de um companheiro de expedições da Real Sociedade Geográfica inglesa e sua amante. Debruçado sobre ela, no recolhimento do mosquiteiro, os seus dedos deslizavam até ao final do pescoço dela.
Com a morfina a correr-lhe nas veias, o paciente reanima-se para ter alucinantes "flashbacks" que o levam ao Egipto, onde sobrevoa as dunas, com Katharine atrás de si, envolta no tecido interminável dos pára-quedas brancos que se estendem no céu ... O filme, escrito e realizado por Anthony Minghella (1997), um dos melhores de sempre, é inspirado no romance premiado de Michael Odaatje, "The English Patient", baseado, em boa parte, na vida real do explorador Laszlo de Almasy, nascido a 1895, em Borostyanko, Hungria (actual Bemstein, Áustria).
A imensidão do Sahara
Filho de uma família aristocrática mas sem título nobiliárquico, Laszlo de Almasy rapidamente se entusiasmou pelas novas tecnologias da época e, aos 17 anos, converte-se num pioneiro da aviação e num exímio condutor de automóveis. Na I Grande Guerra integra a força aérea húngara, destacando-se como piloto e sendo condecorado em diversas ocasiões. Leal à coroa austro-húngara, contribuiu para a restauração monárquica na Hungria, ao conduzir o veículo que transportou o rei Carlos IV, de volta a Budapeste, vindo do exílio. O rei, comovido e agradecido, concedeu-lhe o título de conde.
Depois da guerra, Almasy, como representante da marca de automóveis austríaca Steyr Automobilewerke, realizou em 1926, um teste de resistência destes veículos, completando a distância entre Alexandria, no Egipto, e o Sudão, seguindo o rio Nilo. Três anos mais tarde, com dois veículos Steyr, Almasy fez uma travessia de 12.000 quilómetros, através do Noroeste de África - Líbia, Egipto e Sudão -, numa viagem que mudou a sua vida. Ru­ di Mayer, um realizador, fez um filme-do­cumentário deste percurso aventuroso, que foi restaurado pelo seu filho, Kurt Mayer. Este filme longo (l10 minutos) e silencioso proporciona uma excepcional experiência visual, com cenas da vida africana na década de 20. Almasy redescobriu o percurso das caravanas que ligava o Egipto ao resto de África, a antiga rota dos escravos, duríssima "rota dos quarenta", talo número de dias necessários para a percorrer.
Almasy redescobriu o percurso das caravanas que ligava o Egipto ao resto de África, a antiga rota dos escravos, duríssima "rota dos quarenta (dias)".
Foi durante esta expedição que se apaixonou pela imensidão do Sahara. Percorrendo as areias do deserto na Líbia, Almasy escutou as antigas lendas dos beduínos, contadas nas noites frias, ao calor do fogo. A história sobre o oásis perdido de Zerzura seduziu-o em absoluto. Dizia-se que Zerzura estava algures, no coração do deserto, protegida por um pássaro branco e que só os homens mais corajosos podiam aceder a este lugar secreto, repleto de ouro e tesouros. E havia ainda uma rainha adormecida, que só seria despertada com um beijo ...
Em busca de Zerzura
Exploradores do século XIX, como Sir John Gardner Wilkinson ou Gerhard Rohlfs mencionaram Zerzura nos seus escritos. Tratava-se de uma zona situada a meio do deserto, supostamente entre a Líbia e o Egipto. Os nativos, habitantes de oásis, como o de Dachla, no Egipto, falavam dos três vales ("wadis") perdidos de Zerzura. A tecnologia do princípio do século XX facilitou a exploração do deserto. No entanto, em meados da década de 30, o interior do deserto líbio ainda não estavacartografado.
Almasy, que dominava seis idiomas, incluindo o árabe, ganhou o favor da corte do rei do Egipto. O príncipe, Kemal el-Din, converteu-se no seu mecenas, patrocinando-lhe a busca de Zerzura. Em 1926, ele próprio realizara uma expedição, na qual descobrira uma enorme meseta, de areia e pedra, chamada Gilf Kebir. Com o ânimo redobrado pelo apoio do príncipe, Almasy consultou estudos científicos, mapas, documentos históricos e ouviu os beduínos do deserto. Depois concluiu que Zerzura devia estar em alguma parte da região inexplorada de Gilf Kebir, quase no final da rota que partia do oásis Duchla ao oásis Kufra. Em 1930­ -1931, um jovem barão inglês, Sir Robert Clayton, uniu-se a Almasy na sua busca. Outros dois ingleses, o comandante da RAF Penderei e Patrick Clayton (sem qualquer relação com Robert Clayton) começaram uma expedição paralela. Estes últimos localizaram, a partir do ar, a meseta de Gilf Kebir e dois dos possíveis vales de Zerzura mas não puderam alcançá-los.
Como capitão na reserva da Força Aérea húngara, Almasy foi destinado ao Afrika Korps, de Rommel. Realizou importantes missões bélicas, como grande conhecedor do deserto que era.
Entretanto, Almasy empreendeu uma arriscada viagem através de território desconhecido, para conseguir água no oásis Kufrah, atravessando aquilo que os beduínos chamavam o "Grande Mar de Areia". Esta expedição à zona de Kufrah, transformada em colónia italiana no ano anterior, levantara suspeitas dos oficiais italianos das reais intenções de Almasy. Fosse como fosse, a expedição viu-se sem gasolina, nem água, e Almasy teve de regressar ao Cairo. Mas as mortes inesperadas do príncipe Kemal el-Din e de Sir Robert Clayton levaram-no a interromper a busca de Zerzura.
Quem não parou foi Patrick Clayton, que dirigiu a sua expedição ao "Grande Mar de Areia", alcançando, a partir do Norte, Gilf Kebir, na procura dos dois vales que vira quando sobrevoara a área, um ano antes. Encontra a entrada para o vale principal, Wadi Abd el Malik, e explora-o. Volta ao oásis de Kufrah, onde a viúva de Sir Robert Clayton se junta à expedição. Juntos, exploram um segundo vale, Wadi Sura. As dificuldades económicas de Almasy obrigam-no a partir somente em Março de 1933, acompanhado pelo comandante Penderel, Amold Hoellriegel (j ornalista austríaco), Hans Casparius (fotógrafo alemão) e Laszlo Kadar (geógrafo húngaro). Cartografam as zonas este e sul de Gilf Kebir. Em Abril do mesmo ano, chegam ao oásis de Kufrah, facto que acabou por convencer os italianos de que o conde Almasy era um espião inglês ... Foi daqui que Almasy e a sua expedição se dirigiram para o lado oeste de Gilf Kebir, onde descobriram Wadi Talh, o terceiro vale de Zerzura. A velha lenda tomava-se realidade.
Nadar no deserto
Pouco depois, a expedição de Almasy explorou o poço de água de Ain Dua, nos montes Uweinat, a sul de Gilf Kebir, na intersecção das actuais fronteiras da Líbia, Egipto e Sudão. A zona havia sido explora­ da em 1923, pelo egípcio Ahmed Has­sanein Bey, que descobriu, sob as rochas, pinturas rupestres de girafas e antílopes.
Almasy descobriu uma gruta, cujas paredes estavam repletas deste tipo de pinturas. Além das representações pictóricas dos animais, o mais sensacional desta descoberta foi que, pintadas nas rochas, existiam figuras de homens a nadar! No meio do deserto do Sahara, a poucos quilómetros do "Grande Mar de Areia", há milhões de anos, teria existido água ... O Sahara nem sempre fora um deserto. As pinturas foram uma sensação científica e, possivelmente, o mais importante dos descobrimentos de Almasy. Nos anos seguintes Almasy dirigiu várias explorações ao deserto, especial­ mente à zona de Gilf Kebir, ao "Grande Mar de Areia" e a Wadi Hauar, no Sudão.
Trabalhou ainda no Egipto como instrutor de voo. Mas, em 1939, com o início da II Guerra Mundial, teve de deixar o país das pirâmides e regressar a Budapeste. Como capitão na reserva da Força Aérea húngara, foi destinado ao Afrika Korps, de Rommel. Realizou importantes missões bélicas, como grande conhecedor do deserto que era. No final da guerra, foi julgado pelo Tribunal do Povo de Budapeste, como criminoso de guerra mas absolvido por falta de provas. "O deserto é horrível e ingrato mas quem aspire compreendê-lo, deve regressar", pensava Almasy e, assim o fez. Em 1947, regressou ao Egipto e começou a organizar uma expedição em busca do exército do um rei persa perdido, algures, no meio do "Grande Mar de Areia". Heródoto contava que um grande exército aí se perdera, no séc. V A.c. Mas esta missão nunca se chegou a cumprir. Laszlo de Almasy morreu de disenteria em Salzburgo, em 1951. Três semanas mais tarde, foi nomeado, a título póstumo, director do Instituto do Deserto do Cairo.

Extra: momento lúdico

A seguir a um assalto, quatro empregados de um banco descrevem a figura do assaltante:

- Segundo o porteiro, o assaltante era alto, de olhos azuis e vestia uma gabardina e um chapéu;

- Segundo o caixa, o assaltante era baixo, de olhos negros e vestia uma gabardina e um chapéu;

- Segundo a secretária, o assaltante era de estatura média, tinha olhos verdes e vestia um sobretudo e um chapéu;

- Segundo o director, era alto, de olhos cinzentos e vestia uma gabardina, não usando chapéu.

Cada uma das testemunhas descreve, pelo menos, um pormenor com exactidão.

Descubra como era afinal a figura exacta do assaltante.

1 comentário:

  1. Olá,
    Sobre o livro “O Sahara desconhecido” de Lazlo de Almasy, é possível encontrá-lo para comprar?
    Obrigada.

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